Rúbia Tabata Rigatti – HU-UFSC, SC

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Olhe! O coração está ficando verde: relato de uma autópsia.

Resumo do caso: o presente caso refere-se à autópsia realizada em um paciente masculino, 46 anos, branco, obeso, com história médica prévia de hipertensão arterial sistêmica, diabetes, etilismo, melena e uso abusivo de álcool na véspera. Não havia relato de cardiopatia prévia. Foi admitido no hospital apresentando sintomas de choque hipovolêmico seguido de parada cardiorrespiratória. O paciente foi submetido a procedimentos de reanimação, sem sucesso. Relato de aspiração oral de moderada quantidade de secreção acastanhada. As medicações listadas no relatório do encaminhamento incluíam: adrenalina, vasopressina, cloreto de potássio, bicarbonato de sódio, succinilcolina, amiodarona e concentrado de hemácias. O paciente faleceu e foi encaminhado ao Sistema de Verificação de Óbitos com a hipótese de choque hipovolêmico por provável hemorragia digestiva alta, com componente cardiogênico.

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Referências bibliográficas:

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Handout:

Achados macroscópicos principais: evidências de hemorragia interna difusa em estômago e alças intestinais do intestino delgado e sinais de isquemia mesentérica e colônica, compatível com choque hemorrágico. Havia também hepatomegalia pronunciada com superfície hepática de características micro e macronodulares, além de consistência endurecida, compatíveis com cirrose hepática. À avaliação cardíaca, verificou-se que o peso do coração era de 500 g, com leve espessamento do miocárdio. Aos cortes, conforme o tecido ia entrando em contato com o ar, a coloração do mesmo ia mudando gradativamente para turquesa, ao invés do vermelho que era esperado, tendo o fenômeno se espalhado rapidamente da porção central do miocárdio para toda a espessura do coração em poucos minutos. O fenômeno foi documentado através de vídeo.

Achados microscópicos: fibrose hepática extensa com substituição parenquimatosa por tecido fibrótico, há necrose hepatocelular em diferentes estágios com dilatação dos sinusoides hepáticos, proliferação dos ductos biliares e esteatose hepática. A avaliação cardíaca evidenciou sinais discretos de autólise e não foram depósitos pigmentares.

Causa da morte: a causa do óbito foi determinada como choque hemorrágico secundário à hemorragia digestiva alta devido à cirrose hepática.

Diagnósticos diferenciais: as possíveis etiologias atribuídas ao achado de um coração “verde” incluem uso de medicamentos (ex: tetraciclinas, amiodarona, etc.), solução de contrastes/corantes intravenosos (azul de metileno), agentes infecciosos (pseudomonas aeruginosas produtoras de metabólitos como a piocianina e a pioverdina), desordens metabólicas (amiloidose, alkaptonúria) e causas de colestase severa (hepatite aguda medicamentosa).

Seguimento clínico: a etiologia para o coração verde foi determinada após contato telefônico com o médico assistente da emergência e foi atribuído ao uso de azul de metileno injetável.

Discussão: O azul de metileno é utilizado como um agente adjuvante no tratamento de choque refratário. Ele atua como um redutor de metahemoglobina, que é uma forma oxidada da hemoglobina que não pode transportar oxigênio. Ao converter a metahemoglobina de volta para sua forma funcional, o azul de metileno melhora a capacidade do sangue de transportar oxigênio, ajudando, teoricamente, a melhorar a perfusão tecidual. A presença de tonalidade esverdeada no coração durante a autópsia é consistente com a administração prévia de azul de metileno. Essa coloração esverdeada é uma consequência do efeito do corante no sistema circulatório do paciente e é um achado esperado em casos em que o medicamento foi utilizado como parte do tratamento médio para choque, o qual pode ser encontrado em outros órgãos, tais como: rim, cérebro, fígado, pulmão, etc. Neste caso, no entanto, possivelmente devido à baixa perfusão, o mesmo concentrou-se apenas no coração. Residentes e patologistas devem conhecer este fenômeno para reporta-lo e documenta-lo corretamente e em tempo hábil, uma vez que o tecido, se colocado em fixador, perde a tonalidade azul-esverdeada.