Jaqueline Stall – Hospital Municipal São José, SC

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HISTÓRIA CLÍNICA

Mulher, 68 anos, diabética, hipotireoidea e hipertensa interna por quadro de pneumonia e durante internamento descobre anemia e insuficiência renal. Poucas semanas depois da alta, interna novamente com quadro de sangramento digestivo baixo e epistaxe, além de hematomas e lesões cutâneas ulceradas/necróticas em membros superiores, inferiores, nariz e mucosas. Biópsia das lesões cutâneas foram realizadas.

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REFERÊNCIAS

  • Ghazzawi RA, Alqurashi MG, Almalki NA, et al. Halogenoderma: A case report and review of the literature. Cureus. 2022;14(11):e31846. doi: 10.7759/cureus.31846.
  • Weiss EH, Ko CJ, Leung TH, et al. Neutrophilic Dermatoses: a Clinical Update. Curr Dermatol Rep. 2022;11(2):89–102.
  • Bitterman A, Zundell MP, Psomadakis C, et al. Halogen halos: Report of an early histopathologic finding in iododerma. J Cutan Pathol. 2023;50(9):806-809. doi: 10.1111/cup.14489.
  • Runge M, Williams K, Scharnitz T, et al. Iodine toxicity after iodinated contrast: New observations in iododerma. JAAD Case Rep. 2020 Apr; 6(4): 319–322.
  • Ko JS, Fernandez AP, Anderson KA. Morphologic mimickers of Cryptococcus occurring within inflammatory infiltrates in the setting of neutrophilic dermatitis: a series of three cases highlighting clinical dilemmas associated with a novel histopathologic pitfall. J Cutan Pathol. 2013;40:38-45.
  • Seeker PM, Shiu VF. Iododerma Following Exposure to Iodine: A Case of Explosive Acneform Eruption Overnight. Cutis. 2022;109(2):E29-E30. doi: 0.12788/cutis.0481.
  • Lim JH-L, Lee JS-S. Acute iododerma presenting as cryptococcoid neutrophilic dermatosis: A clinicopathological pitfall and interesting findings gleaned from a review of the literature. J Cutan Pathol. 2023; 50(1): 29-34. doi:10.1111/cup.14310.

DIAGNÓSTICO FINAL

Dermatose neutrofílica, contendo “halos halogênicos”, provável IODODERMA.

HANDOUT

Na microscopia da pele havia derme edemaciada com presença de acentuado infiltrado inflamatório composto predominantemente por neutrófilos e macrófagos. A epiderme era delgada e estava destacada da derme, havendo, além de neutrófilos e histiócitos, a presença de estruturas ovoides com halo claro, simulando Cryptococcus. As colorações especiais para Fungos (PAS com diastase e GMS) resultaram negativas. Nas porções médias e profundas da derme havia deposição de fibrina em vasos,com neutrófilos, indicando vasculite associada.

Estudo imuno-histoquímico foi realizado e essas estruturas semelhantes a Cryptococcus não se coraram com os anticorpos testados (AE1/AE3, CD68, S100, CD20, CD3, Mieloperoxidase).

Foi realizada uma pesquisa da internet acerca dessas estruturas, bem como discussão dos achados com outros colegas patologistas, levantando-se a hipótese de IODODERMA. Após a suspeita, entrou-se em contato com a equipe clínica que informou que a condição clínica da paciente deteriorou, evoluindo com infecção das lesões cutâneas sendo entubada e internada em UTI, o que impossibilitava a coleta de histórico. Conversa com familiares não foi produtiva para determinar a fonte do eventual halógeno.

A endoscopia digestiva alta e colonoscopia realizadas durante o internamento mostraram úlceras esofágicas, em antro gástrico, cólon sigmoide e reto. Por fim, evoluiu para choque refratário e óbito em poucos dias.

Apesar de não haver relato de exposição ao iodo neste caso, aventamos a hipótese da paciente ter usado alguma substância contendo iodo/iodeto, seja uso tópico ou por via oral, não referindo o uso para os familiares.

As dermatoses neutrofílicas são um grupo de doenças inflamatórias heterogêneas caracterizadas por infiltrado neutrofílico estéril na histopatologia. A localização do exsudato (epidérmico, dérmico ou subcutâneo) e manifestações clínicas ajudam a distinguir entre cada dermatose neutrofílica. O protótipo da dermatose neutrofílica é a Síndrome de Sweet (dermatose neutrofílica aguda febril), caracterizada por erupção cutânea com placas ou pápulas eritematosas, infiltrado neutrofílico não associado a vasculite ou infecção, febre e neutrofilia periférica. Outros exemplos são o pioderma gangrenoso, Síndrome de Behçet, hidradenite écrina neutrofílica e halogenodermas.

Halogenoderma é uma dermatose inflamatória incomum que se desenvolve após exposição a compostos contendo halogênios, sendo os mais comuns o iodo/iodeto – causando iododerma –, o bromo/brometo – levando ao bromoderma e o flúor/fluoreto – fluoroderma. As lesões geralmente se apresentam como pústulas ou lesões papulopustulosas, lesões ulceradas e eventualmente necróticas.

Microscopicamente, a halogenoderma pode apresentar variações nos achados dérmicos e epidérmicos de acordo com o halógeno desencadeante e a fase de evolução das lesões. A derme mostra denso infiltrado inflamatório com predomínio de neutrófilos e presença rara de eosinófilos. Acantose e hiperplasia pseudoepiteliomatosa são comuns em casos de bromoderma, enquanto que epiderme erodida ou ulcerada é comumente vista em iododerma. Já casos de fluoroderma costumam apresentar alterações mais brandas, mais frequente ao redor da boca.

“Halos halogênicos”, foram descritos pela primeira vez em 2013, por Ko et al., como “corpos acelulares rodeados por espaços vacuolizados semelhantes a cápsulas, mimetizando Cryptococcus no contexto de dermatose neutrofílica”. Outros relatos descrevendo estruturas semelhantes em quadro clínico e miscroscópico idêntico, foram descritos após, porém, sem relato de uso de halogênios.

Mais recentemente, autores observaram as estruturas novamente, incluindo uma série de casos, todos associados a exsudato neutrofílico, vasculite dérmica, além de insuficiência renal crônica e exposição à compostos contendo iodo. O estudo imuno-histoquímico destes casos revelou positividade para PU.1, um marcador de macrófagos, indicando que devem corresponder a histiócitos degenerados.

Assim, a presente discussão aborda o achado dos corpos halogênicos, que são estruturas que mimetizam o Cryptococcus, porém são negativos nas colorações especiais para fungos. O achado destas estruturas em lesões cutâneas ulceradas associadas a dermatose neutrofílica e vasculite, em paciente com insuficiência renal é praticamente patognomônico de Iododerma, devendo o histórico de uso de subtância contendo iodo ser levantada.